Revisão será publicada em março na Nutrition Research e explora o papel dos probióticos comuns no manejo da doença Covid-19, o que pode ser de grande valor, dado o surgimento de novas variantes

A pandemia do Novo Coronavírus, em curso desde 2019, causou bem mais de 109 milhões de infecções e mais de 2,4 milhões de mortes no mundo. No entanto, apesar da vacina, ainda não existem medicamentos aprovados que tenham demonstrado potente atividade específica contra o vírus, dificultando o controle do surto. Mas uma nova revisão Probiotics: A potential immunomodulator in COVID-19 infection management a ser publicada na edição de março do Nutrition Research destaca o poder das ‘bactérias do bem’ para atuar como importantes imunomoduladores contra o vírus. “Probióticos são microrganismos vivos não patogênicos que fornecem vários benefícios à saúde para o hospedeiro humano. Isso inclui os gêneros de bactérias Lactobacillus e Bifidobacterium, normalmente presentes em alimentos fermentados. A culinária preparada tradicionalmente geralmente inclui esses alimentos fermentados, uma vez que essas bactérias restauram o equilíbrio dos micróbios no intestino. Vale lembrar que uma revisão recente destacou que uma microbiota intestinal deficiente afeta negativamente o prognóstico de Covid-19”, afirma a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia.

Nas últimas duas décadas, muitos estudos e ensaios clínicos sugeriram que os probióticos podem ajudar a modular a resposta imunológica e a tratar várias doenças, especialmente infecções virais. “Muitas descobertas indicam que tais probióticos mantêm um sistema imunológico saudável do hospedeiro que ajuda o corpo a se recuperar após uma infecção viral respiratória em modelos animais. Essas intervenções não apenas melhoraram a saúde dos animais, mas também reduziram a carga viral em seus pulmões e aumentaram as taxas de sobrevivência”, diz a médica. O artigo atual, que apareceu online no jornal Nutrition Research, revisou as evidências do uso de probióticos na prevenção de infecções virais. Eles chegaram a uma lista de cepas probióticas que podem ajudar a prevenir a infecção e aumentar a função imunológica para reduzir o impacto das infecções virais, especialmente Covid-19.

Efeitos dos probióticos no hospedeiro e na biologia viral

O vírus SARS-CoV-2 pode ser transmitido mesmo em indivíduos assintomáticos ou durante as fases pré-sintomáticas da infecção. Este último pode durar até duas semanas, expondo outras pessoas a cargas virais pesadas e um alto risco de infecção. Segundo o estudo, os probióticos podem aprisionar o vírus na infecção respiratória, bem como inibir a ligação do vírus ao receptor da célula hospedeira.

Por exemplo, um modelo de camundongo mostrou que os probióticos promovem a eliminação do vírus da gripe e neutralizam a produção de anticorpos, por meio de células T helper tipo 1 (Th1). Como resultado, o vírus foi eliminado dos pulmões e de outros locais de infecção. Outro estudo mostrou que as taxas de letalidade por influenza caíram de 100% para 60% quando probióticos vivos e mortos, respectivamente, foram administrados, e de 60% para 30% quando a via intranasal foi usada. Este estudo mostrou menor produção de citocinas pró-inflamatórias após a infecção.

Os mesmos pesquisadores também demonstraram a eficácia potencial das espécies de Lactobacillus para proteger contra a infecção viral. Essa proteção foi atribuída à sua atividade imunomoduladora. A mesma tendência foi observada em outros estudos que utilizaram Lactobacillus como probióticos em camundongos infectados com vírus influenza.

Benefícios semelhantes foram encontrados com o gênero Bacillus, com inibição da replicação viral e maior taxa de sobrevivência. O peptídeo antiviral P18 protegeu camundongos em 80% das infecções e reduziu as cargas virais pulmonares, indicando seu potencial para desenvolvimento posterior.

Efeitos imunomoduladores

As moléculas imunomoduladoras estão ativas durante a infecção inicial por SARS-CoV-2, incluindo citocinas pró e anti-inflamatórias. Também são recrutadas células assassinas naturais (NK) e células T citotóxicas. Uma combinação de três cepas de Lactobacillus induziu uma resposta antiviral, aumentando a produção de citocinas inflamatórias e regulando positivamente genes imunomoduladores.

Efeitos protetores em infecções virais humanas

Em estudos humanos, descobriu-se que os probióticos protegem contra o resfriado comum e a gripe em mais de 50%. Isso sugere que os probióticos são seguros e eficazes contra infecções respiratórias. “O consumo de probióticos parece melhorar a integridade da barreira epitelial intestinal e regula as respostas inflamatórias por meio de diversas vias de sinalização”, diz a Dra. Marcella.

Mecanismos de benefício

Os efeitos benéficos dos probióticos são mediados por múltiplos mecanismos, incluindo a inibição da adesão bacteriana, melhor funcionamento da barreira mucosa e modulação da resposta imune. A transmissão da SARS-CoV-2 ocorre através de gotículas respiratórias, com a proteína do pico viral mediando a ligação ao receptor da célula hospedeira, o que facilita a entrada do vírus, com inflamação local, seguida de fenômenos inflamatórios sistêmicos e danos a múltiplos órgãos. Esse dano é frequentemente associado ao estresse oxidativo com radicais livres que causam danos às membranas celulares. Os pacientes com Covid-19 apresentam níveis elevados de citocinas inflamatórias no sangue, frequentemente denominada tempestade de citocinas. Acredita-se que essa seja a razão subjacente para os danos graves a múltiplos órgãos que ocorrem no Covid-19 grave.

Mas a Covid-19 também está ligada à disbiose (desequilíbrio entre bactérias boas e agressoras) do intestino, com um aumento resultante de bactérias patogênicas no intestino. “Um estudo recente mostrou que a disfunção intestinal – e seu intestino permeável associado – pode exacerbar a gravidade da infecção, permitindo que o vírus acesse a superfície do trato digestivo e órgãos internos. Isso, junto com a carga viral excessiva na mucosa, interrompe a função de barreira do epitélio intestinal, com doença crônica. Os probióticos podem corrigir a disbiose enquanto reduzem a carga viral e a inflamação”, diz a médica.

Segundo o estudo, o fortalecimento da imunidade do hospedeiro está entre as formas mais eficazes de reduzir a gravidade da Covid-19. “Os probióticos parecem oferecer uma maneira útil e plausível de fazer isso”, diz a médica nutróloga. No estudo, os investigadores concluíram que algumas cepas probióticas (L. gasseri SBT2055, L. casei DK128, B. subtilis 3, L. rhamnosus CRL1505 e cepas de B. bifidum) mostraram alto potencial para desenvolvimento de terapias anti-Covid-19, com resultados relacionados à sobrevida aumentada e uma poderosa resposta anti-inflamatória. Outras cepas (L. rhamnosus GG, L. casei, L. plantarum, L. casei cepa Shirota, B. lactis Bb-12 e B. longum) reduziram as infecções respiratórias superiores, sintomas semelhantes aos da gripe e diarreia associada a antibióticos em 40% a 70%.

Ainda há cepas (L. reuteri ATCC 55730, L. paracasei, L. casei 431, L. fermentum PCC e B. infantis 35624) que revelaram ter um papel importante de modulação da imunidade em várias infecções. “A utilidade de tais probióticos para o tratamento da Covid-19 pode estar em sua capacidade de reduzir o risco de infecção do trato respiratório, ligando-se ao vírus ou à própria superfície epitelial. Isso impede a ligação do vírus aos receptores das células epiteliais, geralmente por impedimento estérico. Em segundo lugar, eles melhoram a função da barreira epitelial intestinal e corrigem a disbiose, juntamente com a liberação de vários peptídeos e outras moléculas que podem suprimir a replicação viral. Em terceiro lugar, eles podem modular a tempestade de citocinas associada a doenças graves e críticas e equilibrar essas respostas”, diz a médica.

Por fim, a poderosa atividade antioxidante dos probióticos leva à neutralização dos radicais livres, o que atenua os danos aos órgãos. “Estudos futuros devem identificar a combinação ideal de tais cepas, com o efeito de cada uma na biologia do SARS-CoV-2, refinado por outros fatores do hospedeiro, como idade, estilo de vida e hábitos alimentares. Uma vez que esses achados sejam validados, os probióticos podem ser introduzidos no uso clínico no tratamento de Covid-19”, diz a médica. “Nesse momento, o importante é cuidar da saúde intestinal, comendo mais fibras prebióticas e alimentos enriquecidos com probióticos, pois isso pode diminuir o risco de uma pessoa desenvolver doenças graves. Um mix saudável de frutas e vegetais irá contribuir para termos bactérias intestinais saudáveis, podendo ser complementado com kefir, kombucha, iogurtes probióticos e suplementos, que podem ser prescritos por médicos”, finaliza a Dra. Marcella Garcez.

FONTE:

*DRA. MARCELLA GARCEZ: Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. A médica é Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR, Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologiado Hospital do Servidor Público de São Paulo.

Link do estudo: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0271531720305984

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