Por meio de uma técnica mais sustentável, rápida e barata, foi possível ampliar a retirada de substâncias que são de interesse da indústria alimentícia e de cosméticos
Em pouco mais de 30 dias, seguindo a tradição de simpatias de Réveillon, brasileiros em busca de prosperidade vão consumir parte das 279 toneladas de romã produzidas anualmente no país. Eles irão guardar as sementes, mas descartarão as cascas, jogando fora uma rica fonte de compostos que, com uma pesquisa do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, agora pode ser explorada de forma mais sustentável, rápida e barata para diferentes finalidades. Por meio de uma nova técnica, os cientistas conseguem extrair da casca 84,2% mais antioxidantes — substâncias que possuem propriedades conservantes e são capazes de retardar o processo de envelhecimento —, aproveitando a porção da romã que vai para o lixo.
No trabalho, os pesquisadores mostram que substâncias naturais encontradas em plantas e conhecidas como NADES (sigla em inglês para solventes eutéticos naturais profundos) podem ser aplicadas para retirada dos antioxidantes existentes na casca da romã. Assim, não é preciso usar opções tóxicas como metanol e nem etanol que, apesar de ser um solvente verde, evapora facilmente e é explosivo. Com o sucesso do novo método, os especialistas estão agora colocando em prática uma etapa diferente do estudo: incorporar os antioxidantes da romã obtidos de maneira ambientalmente amigável a revestimentos à base de gelatina e quitosana, dois biopolímeros, para desenvolver uma película protetora capaz de aumentar a vida útil de morangos, 3º item na lista de maiores perdas em valor do setor de frutas, legumes e verduras dos supermercados brasileiros.
Os cientistas atuam em parceria com a Embrapa Instrumentação, também localizada em São Carlos, para avaliar os efeitos do uso dos revestimentos poliméricos na aparência e no sabor dos morangos, e os primeiros resultados, considerando 14 dias de armazenamento na geladeira, indicam que a película consegue manter a textura, retardar a contaminação e evitar a desidratação dos frutos. “Queremos contribuir para a diminuição do descarte de morangos utilizando para isso a casca de romã, que é responsável por uma elevada atividade antioxidante mas não é aproveitada pela indústria, sendo considerada um resíduo agroindustrial”, conta Mirella Bertolo, doutoranda do IQSC e autora principal do trabalho. O estudo foi premiado no 2º Encontro da Pós-Graduação da USP por sua preocupação com o 12º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU – Consumo e Produção Sustentáveis – e conta com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Os resultados da pesquisa foram descritos em artigo publicado no Journal of Cleaner Production, revista científica de excelência internacional e com alto fator de impacto. Além de Mirella, o artigo é assinado pela doutora Virginia Martins e pelos professores do Instituto Ana Maria Plepis e Stanislau Bogusz Junior.
Incentivo ao uso de produtos naturais – Bertolo começou a pesquisar o uso da casca de romã em 2015, durante a graduação em Química no IQSC, ao fazer iniciação científica com orientação de Plepis. Em 2019, o professor Bogusz Junior sugeriu a aplicação do extrato da fruta como composto bioativo de revestimento para alimentos e juntos eles escolheram testar os efeitos no morango, uma vez que o Brasil produz cerca de 165 mil toneladas da fruta, mas grande parcela desse total é descartada entre a colheita e o consumo.
O primeiro desafio do estudo foi conseguir obter os antioxidantes presentes na romã a partir de solventes verdes. “Os NADES foram descritos depois que pesquisadores começaram a se questionar sobre o transporte de nutrientes em árvores em ambientes congelados. Eles descobriram que as plantas produzem substâncias naturais, com propriedades únicas de solubilidade, que possibilitam esse transporte”, conta Bogusz Junior. No estudo do IQSC, foram testados cinco NADES com propriedades distintas. Os pesquisadores utilizaram ferramentas estatísticas para analisar a interação entre as variáveis, reduzindo a quantidade de experimentos necessários, e chegaram a um processo otimizado com cloreto de colina e ácido lático que resulta em uma extração de apenas 25 minutos com alto rendimento de compostos.
O professor explica que as substâncias, largamente sintetizadas em plantas, têm propriedades antioxidantes, contribuindo para a neutralização de moléculas (radicais livres) que produzimos em maior quantidade mediante estresse, alimentação desregrada, exposição à poluição e consumo de álcool e cigarro. Níveis mais altos de radicais livres, por sua vez, estão atrelados ao envelhecimento, daí o interesse da indústria de cosméticos na aplicação de antioxidantes em cremes antirrugas, por exemplo. Suas propriedades também despertam o interesse da indústria alimentícia, já que têm função conservante. Atualmente, menciona o professor, são usados muitos antioxidantes sintéticos para aumentar a validade dos produtos e há um interesse crescente dos consumidores pela substituição por opções mais saudáveis.
Por Stefhanie Piovezan, para a Assessoria de Comunicação do IQSC/USP
Fotos: Mirella Bertolo