Por Rita de Cássia Kileber Barbosa*
A tecnologia digital mudou para sempre a configuração da realidade tal qual a conhecíamos. Nos últimos 40 anos, as chamadas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) transformaram as relações sociais, ampliaram o acesso à informação e, mais recentemente, modificaram os processos educacionais, com a consolidação do ensino digital e híbrido.
Para se ter uma ideia, de acordo com o Resumo do Relatório de Monitoramento Global da Educação de 2023, divulgado pela UNESCO, o número de estudantes em cursos online saltou de zero, em 2012, para 220 milhões, em 2021. O advento da Inteligência Artificial (IA) generativa apenas acelera essa revolução digital, que atinge todos os elos da cadeia social, sobretudo o mundo da Educação, impactando gerações de crianças e adolescentes.
No entanto, se por um lado a revolução digital traz consigo inúmeras facilidades e modelos de aprendizagem, por outro lado o avanço acelerado das novas tecnologias e experiências digitais na infância e adolescência, dentro e fora das escolas, demanda atenção diante da vulnerabilidade dos jovens aos crescentes riscos e ameaças presentes no ambiente digital, sobretudo no que se refere à privacidade, cyberbullying, exploração e segurança de dados.
Por conta disso, alguns países adotam medidas limites, como a proibição do uso de smartphones pelos jovens em sala de aula. Mas seria essa a melhor ou a única solução?
Apesar da reação de pânico de pais, pedagogos e outros profissionais acerca dos riscos da exposição às novas tecnologias, não podemos ignorar seu papel no acesso à informação e ao entretenimento, além do seu impacto na própria formação dos jovens como atores sociais e sujeitos de suas próprias vidas, dadas as inúmeras possibilidades que as mídias digitais oferecem para a expressão de subjetividades e aprendizado colaborativo.
O controle do comportamento não pode ser confundido com cuidado. O medo despertado nos adultos pela relação estabelecida entre crianças e mídias digitais se assemelha àquele vivenciado por gerações anteriores, com a emergência de novos meios de comunicação e aparatos tecnológicos, como rádio, TV e videogame.
Acredito que, se a tecnologia impacta os processos educacionais, a sociedade deve se mobilizar para educar seus jovens para os processos tecnológicos. Em outras palavras, a Tecnologia na Educação demanda Educação na Tecnologia. Dessa forma, o uso moderado e responsável das ferramentas digitais pode trazer apenas benefícios para seus usuários, operando como instrumentos para o amadurecimento de habilidades cognitivas e motoras, bem como o desenvolvimento afetivo e social dos jovens.
Alfabetização digital
A transição para uma sociedade mais conectada e uma cultura digital exige mais capacitação de educadores, cuidadores e responsáveis por crianças e adolescentes e para acessar todo o potencial disponível nas redes, de acordo com a faixa etária. Neste momento, a sociedade é desafiada a instruir, a adaptar e a ampliar a capacidade crítica de seus jovens e de seus cuidadores para o uso responsável e seguro das tecnologias digitais.
Nesse contexto, uma das estratégias para alcançar um uso adequado e mais seguro das tecnologias digitais é a AMI (Alfabetização Midiática e Informacional), que funciona como fator de proteção a mais contra os riscos digitais, sem subestimar as capacidades de crianças, adolescentes e jovens.
Essa metodologia é definida como um conjunto de competências que conscientiza e empodera os cidadãos para acessar, recuperar, compreender, avaliar, usar, criar e compartilhar informações e conteúdos midiáticos de todos os formatos, usando várias ferramentas, com senso crítico e de forma ética e efetiva, para estimular a participação e engajamento em atividades pessoais, profissionais e sociais.
Dessa forma, a AMI permite que os jovens desenvolvam habilidades para o máximo aproveitamento dos recursos digitais disponíveis enquanto se defendem contra perigos no ambiente virtual.
É preciso, no entanto, ressaltar que esse tipo de formação é continuada e requer a atualização constante dos usuários para seu efetivo aprendizado, visto que os crimes e riscos cibernéticos seguem sendo aprimorados ao ritmo das atualizações dos softwares e aplicações digitais.
Lembro também que, paralelamente a esse fator de proteção, a sociedade civil deve cobrar do Poder Público mais agilidade e empenho nas tratativas para fazer avançar e aperfeiçoar os marcos regulatórios das redes, sobretudo no que se refere ao uso ético de IA generativa, ao monitoramento e à remoção de conteúdos comprovadamente falsos, como forma de garantir mais responsabilidade e segurança no ambiente virtual. Afinal, a tecnologia sem regulação põe em risco a própria democracia e os direitos humanos, por meio da invasão de privacidade e da disseminação do ódio.
Tecnologias digitais não são brinquedos inofensivos. Apesar dos riscos, são poderosas oportunidades de mudança cultural em favor das novas gerações. Com a conscientização do seu uso, bem como a proteção legal dos usuários, a inovação digital pode e deve melhorar a qualidade de vida e da educação para pessoas de todas as idades, tornando-se, assim, um fator a mais de inclusão e formação cidadã.
*Rita de Cássia Kileber Barbosa é psicóloga, mestre e doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo e Ponto Focal Nacional de Salvaguarda de Participantes da Aldeias Infantis SOS
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