Por Layla Vallias

“A revolução feminina começa na intimidade”. A reflexão é de Marília Ponte, empreendedora que criou uma das primeiras marcas brasileiras de vibradores; um produto desenvolvido para e por mulheres. O Bullet Lilit nasceu com a missão de ajudar uma nova geração de mulheres maduras a experimentar uma potência que reside em cada uma delas. Esse olhar para o prazer feminino, quando pensamos em mulheres com mais de 60 anos, permanece um tabu nas sociedades contemporâneas. Uso o verbo permanecer, porque negar a satisfação sexual feminina é uma constante histórica; o desejo delas sempre foi reprimido por estruturas sociais de diferentes épocas. Quando conheci a proposta empreendedora de Marília, imediatamente pensei em Lilith – que nas tradições hebraicas, babilônicas e cristã é apontada como a primeira mulher; aquela que não se conformou com uma posição de subserviência perante o masculino. Banida e, muitas vezes, classificada como um demônio, ela é um arquétipo do feminino contemporâneo. Essa foi, exatamente, a inspiração da fundadora da empresa.

Às vésperas do Dia das Bruxas, dedico uma reflexão às mulheres que vieram antes de mim; é como se eu quisesse honrar essa tradição, ressignificar a bruxaria e dar nova voz às que morreram para que nenhuma de nós, nos próximos séculos, precise se calar. As mulheres em chamas da Idade Média são a lembrança da autodeterminação. Como nós, as bruxas das noites dos tempos remotos eram emancipadas, sexualmente livres, parteiras e benzedeiras; amigas da vida e da morte. Solteiras ou viúvas, eram uma ameaça ao controle e à autoridade da Igreja Católica, que combatia esse feminino com ódio, violência e fake news. Acusadas de causar o descontrole nos homens, de serem próximas do diabo e até de sequestrar e assar crianças – vide o conto João e Maria –, as bruxas são a imagem feminina da resistência. Essa imagem, aliás, persiste no imaginário humano, mesmo sabendo que se trata de uma narrativa falsa cujo objetivo sempre foi oprimir e apequenar. Hoje, essa força feminina se manifesta em outros rostos e outras vidas, na forma de mulheres maduras que enxergam dentro de si a identidade de bruxas, inconformadas com as regras, resistentes ao lugar que insistem em colocá-las (de somente avós!) e, acima de tudo, em busca de um lugar próprio que transborda qualquer convenção social.

Alguns estudiosos arriscam dizer que, durante a Santa Inquisição, 200 mil pessoas foram mortas; outros chegam a contabilizar 9 milhões de acusados, julgados e mortos, sendo a maioria, mulheres. Estou certa de que esses números configuram o maior genocídio por gênero da história. Voltando à sexualidade livre – que inspirou Marília Ponte –, essas bruxas passavam, de geração para geração, uma postura de experimentar, na individualidade, a potência orgástica que residia em cada uma delas. Longe da imagem de castidade, essas mulheres escolhiam abdicar da vida religiosa para viver o próprio desejo e a liberdade. Porém, foi principalmente nos últimos séculos dessa perseguição que o controle de natalidade e a sexualidade sem fins de reprodução começaram a ser demonizados. As penas para as que contrariavam esses preceitos eram as mais cruéis.

A perseguição era centrada em mulheres que viviam relações fora do casamento, viúvas, ou ainda, mulheres em relações homoafetivas. Existia, com isso, uma visão dominante de que a sexualidade feminina só poderia existir a serviço de algo: do prazer masculino ou da reprodução. Séculos depois, a perseguição ainda é realidade em muitos lugares do mundo. Mais de 200 milhões de garotas, entre a infância e a idade de 15 anos, sofrem mutilação genital, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Nesse Dia das Bruxas, portanto, o meu convite é para que as mulheres vivenciem de forma diferente esse Halloween. Que tal dedicar tempo para refletir sobre a própria sexualidade? Esse é um desafio que faço, especialmente para as mulheres com mais de 60 anos. Enquanto mais de 90% dos homens afirmam atingir o orgasmo durante a relação sexual, somente 39% delas relatam o mesmo. Vinte e três por cento das brasileiras descrevem as últimas experiências sexuais como nada prazerosas; para os homens, esse índice é de 5% – de acordo com o estudo O orgasmo incidental: a presença de conhecimento clitoriano e a ausência de orgasmo para as mulheres.

A ciência levou dois mil anos para conhecer a real estrutura do complexo do clitóris, antes conhecido como “teta do diabo” – uma prova incontestável de que as mulheres com glandes mais longas eram bruxas destinadas às fogueiras. Então, em 2020, vamos nos rebelar contra toda e qualquer opressão ao prazer feminino? Em 30 de outubro, às 19 horas, vou participar de uma live no YouTube de As Perennials, acompanhada de Marília Ponte, fundadora da Lilit; e da especialista em bruxas Isabelle Anchieta. As anfitriãs serão Natália Dornellas e Fernanda Ribeiro. Vou representar a Maturiboss – meu novo canal de conteúdo para mulheres 50+ – e vamos falar muito sobre o feminino e outras coisas mais. A bruxa que vive em mim saúda a bruxa que vive em você. Feliz Dia das Bruxas, manas!

| Layla Vallias é cofundadora do Hype50+, consultoria de marketing especializada no consumidor sênior e da Janno – startup agetech que tem como missão apoiar brasileiros 50+ em seu novo plano de vida. Foi coordenadora do Tsunami60+, maior estudo sobre Economia Prateada e Raio-X do público maduro no Brasil e diretora do Aging2.0 São Paulo, organização de apoio a empreendedores com soluções para o envelhecimento em mais de 20 países. Mercadóloga de formação, com especialização em marketing digital pela Universidade de Nova York, trabalhou com desenvolvimento de produto na Endeavor Brasil.4

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